Minas Gerais já tem dois casos confirmados de contaminação pelo vírus da raiva. De acordo com a Secretária de Estado de Saúde, outras duas possíveis contaminações estão sendo investigadas. Além disso, até agora, todos os pacientes são residentes da área rural de Bertópolis, no Vale do Mucuri.
Para esclarecer as dúvidas sobre a raiva humana e o que pode ter causado o surto na cidade do Norte de Minas, o Hoje em Dia conversou com a virologista e especialista nesse vírus, Helena Lage Ferreira, primeira secretária da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) e professora da Universidade de São Paulo, e a virologista veterinária Maria Isabel Maldonado Coelho Guedes, primeira tesoureira da SBV e professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
Contaminação
Diferente de outras doenças virais conhecidas como gripe e até Covid-19, a raiva é transmitida a partir da saliva de mamífero contaminado. Sendo assim, as formas mais comuns de infecção são por meio de mordidas, arranhões ou lambidas em machucados.
Apesar do vetor mais comum da doença ser o morcego, a virologista veterinária Maria Isabel explica que há também a "raiva doméstica" ou "raiva urbana", que pode ser transmitida por todos os mamíferos.
Nas grandes cidades, normalmente, essas duas versões da doença podem ser originadas principalmente por cães e gatos. "Cerca de 95% dos casos de raiva humana no mundo, especialmente na África e na Ásia, são por mordedura de cão. Por isso, é muito importante o foco do controle da raiva urbana em cães e gatos. Muitas vezes, o fato de a criança, na inocência, ir mexer em um animal silvestre, por exemplo, acaba se tornando alvo mais fácil", explica a especialista.
Sintomas
Apesar de ser uma doença altamente letal, os sintomas iniciais da raiva são variáveis, comuns e podem passar despercebidos enquanto a doença progride no organismo.
De acordo com Maria Isabel, o objetivo do vírus da raiva é chegar ao sistema nervoso central – cérebro e medula – onde ele consegue se replicar mais rapidamente. Quando a doença já está nesse estágio, os sintomas são confusão mental, alteração cognitiva, paralisia da musculatura do sistema respiratório e convulsões.
"Quando já está no sistema nervoso, o prognóstico, infelizmente, é desfavorável. Esse é o caso da menina que está internada em Belo Horizonte com a doença. Ela já está com a sintomatologia neurológica muito avançada. É uma alteração bastante chocante, porque altera o comportamento da pessoa", disse a especialista.
Conforme a também virologista Helena Lage Ferreira, os sintomas imediatos variam de acordo com o local de contato com o vírus. Em caso de mordidas e arranhões, a pessoa pode apresentar coceira no ferimento, formigamento, dor de cabeça e febre.
"Como o vírus tem esse tropismo, vai se direcionar para o sistema nervoso. Então, os sintomas são super variáveis de acordo com o local do contato. Por exemplo, se foi uma arranhadura no pé, o vírus vai demorar muito mais tempo para conseguir chegar ao cérebro. Então, a gente fala que é um período de incubação extremamente variável. Ele pode ser de poucos dias, mas pode chegar a meses", explicou Ferreira.
Ainda de acordo com a especialista, um dos fatores que aumentam a mortalidade da raiva é a falta de educação sanitária e a demora na procura por atendimento médico. "As pessoas acabam tendo contato com animal silvestre, mas não necessariamente vão buscar um atendimento médico imediato, porque, para elas, não surgiu nenhum sinal clínico. Ela teve aquele contato, mas os sintomas imediatos são muito inespecíficos e até o avanço para os sinais neurológicos, já é tarde demais", disse.
Cura
Conforme o Ministério da Saúde, caso a pessoa tenha ferimentos na cabeça, face, pescoço, mãos, ferimentos profundos, múltiplos ou extensos em qualquer região do corpo, e lambedura de mucosas ou em locais onde já existe uma lesão grave, que sejam resultado de contato com um cão ou gato raivoso, inclusive os domiciliados, animais domésticos de interesse econômico ou de produção, deve-se iniciar imediatamente o esquema profilático com o soro e cinco doses da vacina administradas nos dias 0, 3, 7, 14 e 28 após a contaminação.
Caso os sintomas do paciente já tenham avançado para o quadro neurológico, as especialistas contam que há na nomenclatura médica um caso em que se conseguiu retardar o avanço do vírus, depois de induzir o coma da paciente, diminuindo as sinapses do cérebro, e tratando com remédios antivirais. No entanto, elas explicam que os resultados deste tratamento são pouco eficazes e raramente conseguem evitar alguma sequela.
"Aqui no Brasil, nós temos dois casos de pacientes humanos que receberam esse tratamento. O primeiro foi em Pernambuco e o segundo, no Amazonas. Mesmo assim, existem pouquíssimos casos de pessoas que sobreviveram à infecção do vírus da raiva quando já está no sistema nervoso central, mesmo entre aquelas que receberam esse protocolo. Por isso, é importante falar que, se o vírus chegou ao cérebro ou à medula, o prognóstico é desfavorável. Pode-se tentar o protocolo mas nem sempre é bem sucedido, pelo contrário, a probabilidade de cura é muito baixa", explicou Maria Isabel.
Prevenção
Por ser transmitida por qualquer mamífero, uma das formas de prevenção da raiva é a educação sanitária. Segundo as especialistas da Sociedade Brasileira de Virologia, o conhecimento sobre as formas de transmissão da doença podem evitar que muitas pessoas sejam acometidas pelo vírus.
Em áreas urbanas, as especialistas afirmam que é necessário que as pessoas tenham consciência de que, por natureza, os animais silvestres não se aproximam de humanos. "No caso do morcego, por exemplo, é importante observar os hábitos do animal. Eles são noturnos, então se a pessoa vir um morcego de manhã, caído no chão, não é recomendado que pegue ou se aproxime", afirmou Helena Lage.
Outra maneira de impedir a transmissão da doença é pela vacinação de animais domésticos, de interesse econômico e de produção, como bois, vacas e cavalos. Desde o surto em Bertópolis, no Norte de Minas, o Governo do Estado disponibilizou doses da vacina antirrábica.
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