Gana de vencer: na condição de refugiados, novos estrangeiros encontram em BH a chance do recomeço

Tatiana Moraes e Paulo Henrique Lobato
27/09/2019 às 21:56.
Atualizado em 05/09/2021 às 21:59
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Diferentemente da maioria dos estrangeiros que desembarcaram em Belo Horizonte no início do século passado, atrás de oportunidades na primeira cidade planejada da América do Sul, boa parte dos imigrantes de agora veio com status de refugiado, fugindo de conflitos nos países de origem. A nova leva de estrangeiros e o futuro que esperam construir são os temas da terceira e última reportagem da série “Portas Abertas – Os Imigrantes no Comércio de BH”, publicada pelo Hoje em Dia.

Mesmo com pouco ou quase nenhum dinheiro no bolso, os novos moradores sonham com um futuro promissor e, consequentemente, em poder ajudar a cidade a conquistar bons indicadores econômicos, a exemplo dos antecessores na aventura de reiniciar a vida em um país distante.Maurício Vieira/Hoje em DiaRider Romero, da Venezuela, recebe e ajuda compatriotas que chegam a BH
 


Afinal, é questão de sobrevivência. Os irmãos Ahed e Abboud Dabbas fazem parte deste universo. Eles deixaram a Síria para conquistar o paladar dos belo-horizontinos. 

O roteiro desta história, até aqui, não é tão fácil quanto possa parecer. A dupla veio para o Brasil um pouco antes da Copa de 2014, quando o desemprego não era tão alarmante quanto o deste ano. Os irmãos conseguiram vagas no comércio alimentício e se esforçaram para abrir o próprio negócio.

Deu certo: há três anos, inauguraram o Arábica, no bairro Santa Efigênia, região Leste de Belo Horizonte, especializado em pratos típicos da terra-natal da dupla. As refeições agradaram os moradores da capital. Tanto que os irmãos já planejam expandir o negócio.

“Trabalhamos muito para chegar até aqui e vamos, no próximo ano, abrir a segunda loja. Em 2021, queremos inaugurar a terceira unidade”, conta Abboud, que hoje emprega cinco pessoas. Ele estudava economia na terra-natal e, após se consolidar no mercado em BH, retornou à sala de aula. Cursa gestão financeira no Promove.Paulo Henrique Lobato/Hoje em DiaTrabalhando em um restaurante, o venezuelano Hector Fernandes quer estudar abrir negócio próprio


A primeira dica que ele dá aos refugiados que aportam no Brasil é dominar o idioma. “Estrangeiro que não aprende a língua portuguesa passa por dificuldades”.

O desafio é grande para uma multidão de imigrantes. Segundo a última edição do estudo “Refúgio em Números”, divulgado neste ano pelo Ministério da Justiça e com dados até 2018, o Brasil recebeu 206.737 solicitações de reconhecimento da condição de refugiados nos últimos oito anos. Só no ano passado foram 80.057 pedidos, sendo a maioria (66%) do sexo masculino. Destes quase 81 mil novos moradores, 409 são sírios, como os irmãos Dabbas.

Mas a esmagadora maioria (61 mil pessoas) veio de um país vizinho, a Venezuela, onde o regime de Nicolás Maduro afugentou boa parte da população.

De janeiro a dezembro do ano passado,  378 pessoas de diversas nacionalidades fizeram o pedido em Minas Gerais, mas o estudo não detalha os pedidos por nacionalidade.
 


Para os recém-chegados venezuelanos, meta principal é mais modesta: conseguir emprego

O venezuelano Hector Hernandes faz parte de duas estatísticas opostas. A primeira o deixa com aperto no coração: o rapaz é autor de um dos 206.737 pedidos de reconhecimento da condição de refugiado feitos ao governo brasileiro nos últimos oito anos. A segunda estatística traz para ele a esperança do recomeço em uma nova vida: ele foi escolhido para uma das 18.194 vagas formais de trabalho abertas em 2019 em Belo Horizonte.
 


Hernandes e a multidão de venezuelanos que deixaram o país de origem chegaram praticamente com a roupa do corpo. Agora, tentam contribuir com a economia do Brasil emprestando a mão de obra.

Há quase um ano e meio na cidade, Rider Romero é um dos responsáveis por receber compatriotas em BH e ajudá-los a conseguirem o primeiro emprego. Ele estima que cerca de 500 venezuelanos morem na capital. A torcida do jovem é que, daqui a alguns anos, este grupo esteja com padrão de vida melhor, gerando empregos e renda à cidade por meio de empreendimentos próprios.

“A pessoa deixou tudo para trás, pois é uma migração forçada. Meu pai, por exemplo, era policial com boa patente, além de advogado. Veio para BH e, com respeito à profissão, agora é porteiro. Precisamos ‘pegar’ a primeira oportunidade”, disse Romero.

Hernandes, o rapaz que conseguiu emprego num restaurante em BH, concorda. “Eu cursava faculdade de comunicação. Deixei para trás estudo, pai, mãe... Cruzei a fronteira e permaneci dois meses em Roraima. Com a promessa de emprego, cheguei ao Vale do Jequitinhonha. Mas lá trabalhei sem receber. Vida (análoga à) de escravo”, recorda.

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