Ex-presidente da Vale, 10 funcionários e 5 empregados da Tüv Sud são indiciados por homicídio doloso

Bruno Inácio
binacio@hojeemdia.com.br
21/01/2020 às 15:59.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:22
 (Bruno Inácio)

(Bruno Inácio)

Quase um ano após a tragédia de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 11 funcionários da Vale, incluindo o ex-presidente da empresa Fábio Schvartsman, e cinco empregados da companhia alemã Tüv Sud foram denunciados nesta terça-feira (21) por homicídio doloso qualificado e crimes ambientais pelo Ministério Público e a Polícia Civil de Minas Gerais. 

Eles responderão por homicídio duplamente qualificado, quando há a intenção de matar. As duas empresas também foram denunciadas pelos mesmos crimes e, caso a Justiça acolha a denúncia, passam a ser rés.

A mineradora diz estar perplexa com a denúncia e classificou as imputações do Ministério Público como prematuras. A Tüv Sud se diz consternada e colaborando com as autoridades brasileiras e alemãs.

Até o momento, foram confirmadas 259 pessoas mortas e 11 desaparecidas pelo desastre. Mesmo assim, o relatório final das investigações culpa as companhias e os investigados por 270 mortes. Para isso, vai usar de um artifício jurídico no qual é reconhecido judicialmente a morte de uma pessoa, mesmo sem o cadáver, caso semelhante ao que ocorreu no julgamento do caso Bruno, quando o corpo de Elisa Samúdio nunca foi localizado.

Para os promotores do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), as duas companhias devem responder por homicídio doloso com duas qualificantes. Numa, por expor as pessoas a um perigo comum, ou seja, todos os moradores da região poderiam ser afetados por um rompimento da barragem, outro, por impossibilitar a defesa da vítima.Bruno Inácio Indiciamentos foram anunciados durante entrevista conjunta do Ministério Público e da Polícia Civil

Para o promotor Willian Garcia Pinto Coelho, as duas empresas fizeram uma espécie de ditadura corporativa, na qual escondiam as reais condições das barragens tanto da sociedade, quanto do poder público e de seus próprios acionistas. O presidente da empresa á época, Fábio Schvartsman, teria confirmado saber de tudo em depoimento.

"Um fator era fundamental: garantir a reputação da Vale. Ele (Shvartsman) atuou diretamente para criar incentivos corporativos e canalizar esforços para garantir esse objetivo...As duas corporações impuseram à sociedade o risco que elas, corporações, decidiram que a sociedade deveria correr", disse Coelho.

Na denúncia, que foi apresentada na manhã desta terça-feira à 2ª Vara Criminal de Brumadinho, os promotores sustentam que o grupo denunciado atuava de forma a fazer com que informações ou relatórios que indicavam risco de desmoronamentos e desastres ficassem escondidos e não fossem levados a conhecimento público. A Tüv Sud dava atestados de segurança em conluio com a mineradora.

“Com o apoio da Tüv Sud, a Vale operava uma caixa-preta com o objetivo de manter uma falsa imagem de segurança da empresa de mineração, que buscava, a qualquer custo, evitar impactos a sua reputação”, diz a denúncia. No documento, há um "top ten", de dez barragens em situação crítica que a Vale estudava custos de indenizações, com cada vida custando R$ 2,6 milhões, em valores correntes de 2015.

O delegado Eduardo Vieira Figueiredo, da Polícia Civil, ressaltou também que, ao esconder as reais informações das barragens - e assim assumir o dolo eventual por mortes - a empresa não acionou protocolos de segurança que poderiam ter evitado a tragédia.

"Pelo menos desde novembro de 2017 a Vale sabia que a barragem B1 não tinha o grau 1.3 de liquefação, o que exige o acionamento do Plano de Ação de Emergência Para Barragens de Mineração. Ao não informar os dados reais, a empresa impediu que o poder público fosse acionado", afirmou.

Como os denunciados responderão pelas mortes de forma individual, a soma das penas chega a mais de 8.100 anos de cadeia. 

Crimes ambientais

Além de 270 imputações por homicídio, as empresas e cada um dos investigados foram denunciados por três diferentes crimes ambientais: contra a fauna, a flora e o crime de poluição. Nestes casos, segundo o MPMG, as companhias devem ter sanções econômicas, que vão de multas a até interdição e fechamento, em último caso.

O órgão encaminhou à Justiça pedidos cautelares de prisão do gerente-geral da Tüv Süd alemã, Chris-Peter Meier. Isso porque, mesmo procurado, ele não se dispôs a contribuir com as investigações. Já os demais citados entregaram o passaporte de forma voluntária e a força-tarefa requereu que sejam impedidos de sair do Brasil também por terra.

A investigação mostrou ainda que, ao menos desde 2017, a Barragem I do Córrego do Feijão já apresentava situação crítica para riscos geotécnicos. Em 2018, outras anormalidades seguiram se agravando e piorando a situação de emergência. 

Da mineradora Vale, foram denunciados os seguintes empregados:

  1. Fábio Schvartsman, diretor-presidente da companhia;
  2. Silmar Magalhães Silva, diretor do Corredor Sudeste;
  3. Lúcio Flávio Gallon Cavalli; diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão;
  4. Joaquim Pedro de Toledo, gerente-executivo de Planejamento, Programação e Gestão do Corredor Sudeste;
  5. Alexandre de Paula Campanha, gerente-executivo de Governança, Geotecnia e Fechamento de Mina;
  6. Renzo Albieri Guimarães de Carvalho, gerente operacional de Geotecnia do Corredor Sudeste;
  7. Marlene Christina Oliveira Lopes de Assis Araùjo, gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas;
  8. César Augusto Paulino Grandchamp, especialista técnico em Geotecnia do Corredor Sudeste;
  9. Cristina Heloiza da Silva Malheiros, engenheira sênior na Gerência de Geotecnia Operacional;
  10. Washington Pirete da Silva, engenheiro especialista da Gerência Executiva de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina;
  11. Felipe Figueiredo Rocha, engenheiro civil que atuava na Gerência de Gestão de Estruturas Geotécnicas.

Da companhia Tüv Sud, foram cinco colaboradores denunciados:

  1. Chris-Peter Méier, gerente-geral da empresa;
  2. Arsênio Negro Júnior, consultor técnico;
  3. André Jum Yassuda, consultor técnico;
  4. Makoto Namba, coordenador;
  5. Marlísio Oliveira Cecílio Júnior, especialista técnico

Apesar de ressaltar que ainda não analisou o teor da denúncia, a Vale diz que "expressa sua perplexidade ante as acusações de dolo". Para a empresa, como ainda há outras investigações em andamento, é prematuro apontar "assunção de risco consciente para provocar uma deliberada ruptura da barragem."

A empresa disse também que está colaborando com as autoridades e que acredita que as causas da tragédia serão esclarecidas. A Tüv Sud também reafirmou estar colaborando com as investigações.

Contudo, a empresa alemã não expressou juízo de valor sobre a denúncia. Disse apenas que não poderá oferecer mais informações enquanto o inquérito sobre o caso ainda estiver em aberto, com causas ainda sendo apuradas.

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