Craques da Seleção Brasileira de Amputados projetam futuro para garoto ferido por linha chilena

José Vítor Camilo
25/07/2019 às 16:48.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:42
 (ARQUIVO PESSOAL / DIVULGAÇÃO)

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 Ter nascido sem uma das pernas não impediu Rogério Rodrigues de Almeida, de 38 anos, o Rogerinho R9, de se tornar um dos maiores artilheiros da história do futebol. Jogador do Corinthians e da Seleção Brasileira de Futebol de Amputados, o craque, que já atingiu a incrível marca de 541 gols na carreira, solidarizou-se com a história do garoto Gabriel Lucas Alves do Nascimento, de 15 anos, que teve a perna amputada nesta quarta-feira (24), após ser ferido por uma linha chilena quando voltava de um treino de futebol em Betim, na Grande BH. Ele e colegas da seleção Canarinho já estão se mobilizando para levar o adolescente, que sonhava em ser jogador profissional, para a modalidade do esporte. 

"Sei que não está fácil para ele e a família, mas tenho certeza que depois que ele conhecer a gente a vida dele vai melhorar. Ele vai conseguir colocar essa prótese e voltar a ter uma vida normal ou até melhor, porque ele com certeza vai fazer parte e ajudar a engrandecer a nossa modalidade", diz o atleta. Ele, que teve uma má formação congênita, conta que começou a andar aos 4 anos e, três anos depois, já jogava bola na rua com os amigos. 

Apesar da paixão pelo esporte, até os 18 anos ele sequer sabia da existência do futebol com muletas, apesar de nessa época a Seleção verde e amarela de futebol de amputados já ter conquistado suas quatro Copas do Mundo. "Em 2001 eu comecei a jogar na minha cidade, Mogi das Cruzes, e em 2009 eu já estava na Seleção, ajudando a levar a Copa América", lembra, orgulhoso, Rogerinho. ARQUIVO PESSOAL / DIVULGAÇÃO

Breno comemora título da Copa das Confederações, na Colômbia

Conquistas

Colega de seleção do artilheiro, o mineiro Breno Gonçalves Moura já conquistou uma Copa América e uma Copa das Confederações aos 25 anos e, agora, sonha, assim como Rogerinho, em trazer o penta da Copa do Mundo de Amputados para o Brasil.

"Eu morava perto da linha férrea e fui jogar bola com meus amigos. Quando abaixei para pegar a bola, que tinha caído embaixo do trem, ele se moveu e passou sobre a minha perna", lembra ele, que perdeu a perna esquerda aos 10 anos. 

Ele conta que, no começo, só conseguia pensar que não poderia mais correr, brinca ou jogar bola. Ele começou a jogar o Futebol Para Amputados com a mesma idade de Gabriel, 15 anos.

"As coisas que eu conquistei, eu não conseguiria com as duas pernas. A gente torce muito para que esse garoto venha jogar conosco, mas é uma coisa que vai depender só dele. Eu, quando vi um jogo pela primeira vez, tive a certeza de que queria fazer isso. Se isso acontecer com ele, só vai precisar de esforço, foco e objetivo", afirma. 

Atualmente, Breno atua, além de na Seleção, pelo time de amputados da Associação Mineira de Desportos para Amputados (AMDA), o único existente em Minas Gerais. Na manhã desta quinta-feira (25), integrantes da associação procuraram os pais de Gabriel para oferecer que, após se recuperar da cirurgia, o garoto treine no Centro de Referência Paralímpico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"A maior vitória dele vai ser ele mesmo se superar, cada vez que ele for se superando ele vai sentir orgulho da pessoa que vai se tornar depois desse acidente. Gosto de pensar que essa foi uma oportunidade que Deus deu para ele para fazer coisas que, às vezes, com as duas pernas ele não faria"Breno Gonçalves MouraAtleta

"Neste momento, ele precisa é de pessoas boas do lado dele, só assim ele vai superar isso e, com certeza, vai ver que aquilo ali (amputação) vai ser só um detalhe. Ele vai perceber que não vai ter que abdicar das coisas que gosta, como jogar bola", diz Breno.

Regras do esporte

O Futebol Para Amputados tem algumas diferenças do futebol tradicional. Durante a partida, o goleiro (que deve ter um dos braços amputados) não pode sair da área, podendo ser punido com cartão amarelo se o fizer com a bola rolando. Outro ponto importante é que as muletas dos jogadores de linha são consideradas extensões das mãos e, por isso, elas não podem tocar na bola de forma proposital. "Se bater sem intenção, tudo bem. O que não pode é levar a muleta na bola por querer, aí é falta", explica Breno Moura. 

Além disso, os jogos são disputados em campo society, menores que o campo do futebol profissional. As equipes são formadas por sete jogadores e as partidas têm duração de 25 minutos, com intervalo de 10 minutos. Outros pontos que diferenciam o esporte são que o tiro de meta não pode ultrapassar o meio de campo, que o lateral é cobrado com o pé e que não há um limite de substituições, sendo que os atletas que deixarem o campo podem retornar a qualquer momento para o jogo. ARQUIVO PESSOAL / DIVULGAÇÃO

Jogadores da Seleção Brasileira de Amputados na última Copa do Mundo

Falta de incentivo 

Apesar de já ser um jogador reconhecido, Breno ainda não consegue se sustentar pelo futebol. "Eu trabalho como auxiliar administrativo em uma empresa. Mas estamos tentando algum projeto de incentivo, pois atualmente a gente joga só mesmo por prazer, sem receber nenhum dinheiro. A gente está tentando correr atrás de algum apoio, pois às vezes, no treino, não temos nem água ou lanche", pontua. 

Para se ter ideia, o próximo jogo do time da AMDA acontecerá no sábado (27), no Campo do Pitangui, no bairro Lagoinha, na região Noroeste de BH. O evento acontece em função do sorteio de uma rifa, organizada pela associação para que o time tenha condições de viajar para participar do Campeonato Brasileiro de Futebol de Amputados, que acontecerá no Pará. 

Mesmo sendo uma estrela que já participou de diversas partidas beneficentes ao lado de craques como Everton Ribeiro (ex-Cruzeiro e atual Flamengo), Gabriel Jesus, do Manchester City, e o ídolo da Copa de 2002, Denílson, Rogerinho R9 também precisa trabalhar como gestor financeiro para sobreviver. 

"Falta muito incentivo público. No caso do meu projeto no Mogi/Corinthians é um pouco diferenciado pois já temos alguns apoiadores, mas ainda não é o ideal para a gente manter a atividade. A maior dificuldade para os atletas é conseguir passagens para disputar as competições. Como o futebol de amputados não é uma modalidade paralímpica, a gente tem que ir atrás. Hoje, nenhum de nós vive como jogador, precisamos trabalhar para fazer o que amamos", pontua o artilheiro. 

Apesar das dificuldades, o atacante exalta o trabalho que vem sendo feito pela Associação Brasileira de Desporto para Deficientes Físicos (ABDDF), da qual ele é vice-presidente. "Se em 2015 nós tínhamos seis equipes de futebol de amputados em todo o país, hoje já são 22. Agora a nossa luta é para tornarmos o esporte rentável, receber apoio do governo de alguma forma", finaliza Rogerinho. 

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