JULGAMENTO

Família Mânica estava inconformada com fiscalização de auditores, diz delegado da época da chacina

Gabriel Rezende
grezende@hojeemdia.com.br
24/05/2022 às 17:13.
Atualizado em 24/05/2022 às 18:44
 (Lucas Prates/ Hoje em Dia)

(Lucas Prates/ Hoje em Dia)

O delegado aposentado Wagner Pinto de Souza foi o primeiro a prestar depoimento nesta terça-feira (24) durante o julgamento de Antério Mânica, acusado de ser mandante da chacina de Unaí. Os crimes ocorreram em janeiro de 2004, na região Noroeste de Minas, quando Wagner era delegado da divisão de crimes contra a vida e participou das investigações por seis meses. 

Ao longo de cerca de duas horas de depoimento, ele citou "insatisfação e inconformismo da família Mânica" com as fiscalizações feitas pelos auditores, que, quando assassinados, apuravam denúncias de trabalho escravo em fazendas da região. A família era considerada uma das principais produtoras de feijão do Brasil. 

“O que conseguimos esclarecer é que o Norberto Mânica [irmão de Antério Mânica] teria solicitado ao José Alberto [intermediário do crime] para contratarem pistoleiros para matar o fiscal Nelson José da Silva [uma das vítimas da chacina]. No dia 28, [quatro pistoleiros] acompanharam os fiscais até uma fazenda, onde abordaram o carro dos fiscais e mataram todos”, afirmou. 
 
Conforme o policial aposentado, as vítimas não tiveram "chance de defesa" na emboscada. Os três auditores morreram na hora. Mesmo baleado na cabeça, o motorista Ailton Pereira de Oliveira conseguiu dirigir a caminhonete por quase 7 km. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu e morreu.

Encontro e carro suspeito 

Wagner Pinto também citou que, durante as investigações, descobriu que houve um encontro entre os envolvidos no crime no dia anterior aos assassinatos, em um posto de combustível. Uma pessoa que estava em um carro modelo Fiat Marea teria ordenado a morte de todos os auditores. Essa é uma das provas da acusação do Ministério Público Federal contra Antério Mânica. Isso porque a esposa dele possuía um veículo de mesmo modelo e cor. 

"O indivíduo que estava no carro Marea determinou a execução de todos. Eu obtive a informação de que Bernadete [esposa de Antério Mânica] possuía um Marea de cor escura. Eu não posso afirmar que aquele Marea trata-se do Marea do Antério. Há elementos de suspensão, mas não posso afirmar", declarou.

Questionado pela defesa do réu, Pinto reforçou que, durante os seis meses em que esteve à frente das investigações, não indiciou Antério, embora houvesse "elementos de suspensão". 

Depoimentos 

Os depoimentos seguem, e o julgamento deve se estender até a próxima sexta-feira (27). Ao todo, são 14 testemunhas de acusação, sendo dois réus colaboradores, e seis testemunhas de defesa. 

Chacina 

O crime ocorreu em 28 de janeiro de 2004, quando os auditores João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva e Erastótenes de Almeida Gonçalves e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram assassinados com tiros à queima-roupa, após uma emboscada. 

Quando assassinados, os três auditores investigavam denúncias de trabalho escravo que estaria acontecendo em fazendas da região. A morte dos três provocou mobilização política e social na época e, em homenagem às vítimas, a data dos assassinatos foi transformada em “Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo”.

O ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, e o irmão dele, Norberto, dois grandes produtores de feijão da região, foram apontados pelo Ministério Público Federal (MPF) como mandantes do crime.

A sentença deles saiu em 2015, com cada um condenado a cumprir 100 anos de prisão. Apesar de o MPF pedir a prisão imediata dos réus, a Justiça permitiu que ambos recorressem em liberdade.

Em 2018, no entanto, uma reviravolta mudou os rumos do processo, quando o TRF-1 anulou a condenação de Antério Mânica.

"Os que mataram (os fiscais) estão presos. Não se pode falar que tenha impunidade nesse caso. Contra Mânica não se tem nenhuma prova", disse o advogado do ex-prefeito, durante a sustentação oral na sessão que reviu a condenação.

Em virtude da anulação, o ex-prefeito está sendo submetido a novo julgamento, que começa hoje. 

Na época da anulação, Norberto Mânica, que também recorre em liberdade, prestou depoimento e sustentou ser o único mandante do crime, inocentando o irmão.

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